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Causos (12)

07/09/2012

Notícia do sequestro de Juan Manuel Fangio.

Um dos fatos mais insólitos da história do esporte a motor deu-se em fevereiro de 1958, em Cuba. Naquela época, desenrolava-se a Revolução Cubana, e seria disputado o Grande Prêmio daquele país. A prova, com participação de expoentes da velocidade vindos da Europa, era uma forma encontrada pela ditadura de Fulgencio Batista para propagandear a normalidade do regime vigente, e de que tudo estava indo muito bem na ilha. Algo parecido aconteceu neste ano no Bahrein, e novamente as corridas de carro participaram da papagaiada.

Seria disputada em Havana uma prova extra-campeonato, que não contaria pontos, mas com a presença de alguns dos carros e pilotos inscritos no Campeonato Mundial de Fórmula 1. A maior estrela a desembarcar em território cubano era o já pentacampeão Juan Manuel Fangio, convidado pela organização da prova.

Sem querer, entretanto, o astro argentino, então uma estrela internacional, acabou virando personagem chave numa dramática ação da guerrilha para chamar a atenção à sua causa.

Na véspera do Grande Prêmio, Fangio reuniu-se com seus mecânicos no saguão do Hotel Lincoln, e estava confiante na vitória no dia seguinte. De repente um homem armado com uma pistola irrompeu hotel adentro, e anunciou o sequestro do piloto: “Desculpe Juan, mas terá que me acompanhar.” Era um membro do Movimento 26 de Julho, a guerrilha liderada por Fidel Castro.

Diante da cena todos permaneceram imóveis. O piloto Alejandro D’ Tomaso, presente ao momento, fez um breve movimento com as mãos, ao que o sequestrador respondeu aos berros: “Cuidado, se mexer eu atiro! Outro movimento e os mato!”

Cartaz com a arte para promoção do Grande Prêmio de Cuba.

Fangio, tranquilo, não acreditou de inicio que tratava-se de um sequestro, e não resistiu (pensando ser um trote do seu empresário). Foi então conduzido ao interior de um carro, sempre com a arma apontada para suas costas.

Após circularem com o ilustre refém por cerca de uma hora, escondido deitado no assoalho do carro, os sequestradores levaram a vítima ao local de cativeiro. De lá transferiram- no vendado para outro local, num bairro nobre da capital cubana.

Ao chegar Juan Manuel ouviu comemoração e festejos dos homens presentes, e alguns até lhe pediram autógrafos. Sempre tranquilo, o lendário piloto ainda chegou a reclamar que estava faminto.

A dona da casa, simpatizante da causa guerrilheira lhe serviu uma refeição, e na manhã seguinte os raptores lhe atenderam ao pedido, de comunicar à sua família o ocorrido.

Trouxeram-lhe jornais, mas o argentino das pistas recusou-se a assistir pela TV a transmissão da prova.

Naquela edição da corrida, um trecho muito perigoso do traçado, com um salto onde os carros deixavam por instantes de tocar o solo, quase desmanchava a frágil estrutura dos carros. Um acidente ocorrido com dois carros feriu 40 pessoas, e matou 6 pessoas, arrancando de Fangio a frase: “Senhores, vocês me fizeram um favor…”.

Fidel Castro e membros do Movimento 26 de Julho, em foto clássica da Revolução Cubana.

Os guerrilheiros pretendiam manter Juan Manuel Fangio em cativeiro até o término da prova. Ao final do Grande Prêmio, puseram-se a pensar numa solução para devolver o piloto à liberdade e não correr riscos, posto que a morte acidental de Fangio num tiroteio, ou num assassinato pelas forças de repressão leais à ditadura seria fulminante para a imagem do Movimento.

Astuto e muito bem articulado na fala, Juan Manuel sugeriu ser levado à embaixada argetina na capital, onde o embaixador designado era primo de ninguém menos do que Che Guevara. O mito da velocidade então, ao ser deixado, sorridente e pacífico: anunciou: “esses são meus amigos, os seqüestradores”, e obteve garantias de que nenhum mal seria feito a eles naquele local. Foram 26 horas de cativeiro.

Os revolucionários venceram esse jogo, pois Fangio se tornou uma espécie de embaixador do movimento ao mostrar para a imprensa de todo o mundo que o seu seqüestro não foi algo tão hediondo, e que as intenções dos revoltosos eram boas. A repercussão foi positiva para o Movimento 26 de Julho.

Ao assumir o poder, com a vitória de Revolução, Fidel Castro enviou um convite a Fangio para vistiar a ilha. Quando completaram-se 25 anos da vitória, o piloto recebeu um telegrama de Fidel com saudações de “seus amigos, os sequestradores”. Em seu aniversário de 80 anos, uma vez mais foi saudado pelos “seus amigos, os sequestradores”.

Juan Manuel Fangio encontra-se com o ditador Batista em Cuba, dias antes do sequestro.