Um dos fatos mais insólitos da história do esporte a motor deu-se em fevereiro de 1958, em Cuba. Naquela época, desenrolava-se a Revolução Cubana, e seria disputado o Grande Prêmio daquele país. A prova, com participação de expoentes da velocidade vindos da Europa, era uma forma encontrada pela ditadura de Fulgencio Batista para propagandear a normalidade do regime vigente, e de que tudo estava indo muito bem na ilha. Algo parecido aconteceu neste ano no Bahrein, e novamente as corridas de carro participaram da papagaiada.
Seria disputada em Havana uma prova extra-campeonato, que não contaria pontos, mas com a presença de alguns dos carros e pilotos inscritos no Campeonato Mundial de Fórmula 1. A maior estrela a desembarcar em território cubano era o já pentacampeão Juan Manuel Fangio, convidado pela organização da prova.
Sem querer, entretanto, o astro argentino, então uma estrela internacional, acabou virando personagem chave numa dramática ação da guerrilha para chamar a atenção à sua causa.
Na véspera do Grande Prêmio, Fangio reuniu-se com seus mecânicos no saguão do Hotel Lincoln, e estava confiante na vitória no dia seguinte. De repente um homem armado com uma pistola irrompeu hotel adentro, e anunciou o sequestro do piloto: “Desculpe Juan, mas terá que me acompanhar.” Era um membro do Movimento 26 de Julho, a guerrilha liderada por Fidel Castro.
Diante da cena todos permaneceram imóveis. O piloto Alejandro D’ Tomaso, presente ao momento, fez um breve movimento com as mãos, ao que o sequestrador respondeu aos berros: “Cuidado, se mexer eu atiro! Outro movimento e os mato!”
Fangio, tranquilo, não acreditou de inicio que tratava-se de um sequestro, e não resistiu (pensando ser um trote do seu empresário). Foi então conduzido ao interior de um carro, sempre com a arma apontada para suas costas.
Após circularem com o ilustre refém por cerca de uma hora, escondido deitado no assoalho do carro, os sequestradores levaram a vítima ao local de cativeiro. De lá transferiram- no vendado para outro local, num bairro nobre da capital cubana.
Ao chegar Juan Manuel ouviu comemoração e festejos dos homens presentes, e alguns até lhe pediram autógrafos. Sempre tranquilo, o lendário piloto ainda chegou a reclamar que estava faminto.
A dona da casa, simpatizante da causa guerrilheira lhe serviu uma refeição, e na manhã seguinte os raptores lhe atenderam ao pedido, de comunicar à sua família o ocorrido.
Trouxeram-lhe jornais, mas o argentino das pistas recusou-se a assistir pela TV a transmissão da prova.
Naquela edição da corrida, um trecho muito perigoso do traçado, com um salto onde os carros deixavam por instantes de tocar o solo, quase desmanchava a frágil estrutura dos carros. Um acidente ocorrido com dois carros feriu 40 pessoas, e matou 6 pessoas, arrancando de Fangio a frase: “Senhores, vocês me fizeram um favor…”.
Os guerrilheiros pretendiam manter Juan Manuel Fangio em cativeiro até o término da prova. Ao final do Grande Prêmio, puseram-se a pensar numa solução para devolver o piloto à liberdade e não correr riscos, posto que a morte acidental de Fangio num tiroteio, ou num assassinato pelas forças de repressão leais à ditadura seria fulminante para a imagem do Movimento.
Astuto e muito bem articulado na fala, Juan Manuel sugeriu ser levado à embaixada argetina na capital, onde o embaixador designado era primo de ninguém menos do que Che Guevara. O mito da velocidade então, ao ser deixado, sorridente e pacífico: anunciou: “esses são meus amigos, os seqüestradores”, e obteve garantias de que nenhum mal seria feito a eles naquele local. Foram 26 horas de cativeiro.
Os revolucionários venceram esse jogo, pois Fangio se tornou uma espécie de embaixador do movimento ao mostrar para a imprensa de todo o mundo que o seu seqüestro não foi algo tão hediondo, e que as intenções dos revoltosos eram boas. A repercussão foi positiva para o Movimento 26 de Julho.
Ao assumir o poder, com a vitória de Revolução, Fidel Castro enviou um convite a Fangio para vistiar a ilha. Quando completaram-se 25 anos da vitória, o piloto recebeu um telegrama de Fidel com saudações de “seus amigos, os sequestradores”. Em seu aniversário de 80 anos, uma vez mais foi saudado pelos “seus amigos, os sequestradores”.